MAX ROACH

Tinha começado há pouco as férias quando me comunicaram a triste notícia: Max Roach tinha-nos enfim deixado, após prolongada doença.
Max Roach foi desde a juventude figura de proa do Jazz, espírito inquieto e lúcido, um dos mais importantes músicos de Jazz de todos os tempos.
Filho de uma cantora de gospel, Max Roach começou a tocar bateria com doze anos. Com apenas dezasseis torna-se notado ao substituir por três dias Sonny Greer na orquestra do exigente Duke Ellington. Pouco depois passa a participar activamente nas actividades do grupo de activistas que revolucionavam o Jazz. Eram eles, entre outros, Charlie Parker, Dizzy Gillespie, Thelonius Monk, Bud Powell, Kenny Clarke, e a revolução dava pelo nome de bebop. A Max Roach, com Kenny Clarke, caberia a tarefa de redefinir o papel da bateria no Jazz, libertando-a do papel da simples marcação rítmica. Com eles a bateria ganhou o estatuto de instrumento de plenos direitos iguais a qualquer outro instruimento na banda. No turbilhão do bop o próprio elemento swing ganhou uma nova dimensão e os conceitos associados à poliritmia que introduziram marcaria toda a bateria moderna.
Mais longe talvez que Kenny Clarke, Roach desenvolveu na bateria conceitos que se julgariam propriedade de outros instrumentos: a melodia e a harmonia, que levou a falar-se da sua bateria como
«the talking drums» ou de bateria - piano.
Será difícil encontrar músicos com quem Max Roach não tenha tocado ao longo da sua activa vida artística, mas serão de assinalar as colaborações com Miles Davis no Birth Of The Cool de 1950 ou, mais importante, com o trompetista Clifford Brown entre 1954 e 1956. O desaparecimento trágico de Clifford Brown abalá-lo-ia profundamente.
Encerrar no entanto o baterista Max Roach na prateleira o bebop é de todo uma injustiça, como o será também na de baterista: Max Roach não parou nunca de evoluir, e a sua actividade como compositor e leader merecem igualmente toda a atenção.
Ele foi além disso um militante pelos direito cívicos e pela liberdade: em 1960 grava com a mulher Abbey Lincoln um violento libelo Freedom Now Suite, e as suas posições políticas persistiram ao longo da vida. Num dos mais célebres discos da história do Jazz, Money Jungle, Roach toca com Duke Ellington e Charles Mingus.
Sem nunca ter aderido «formalmente» à estética free, ele provou por diversas vezes que as suas concepções (poli)rítmicas (e «de bateria») eram absolutamente modernas. Notáveis são os duetos com os ícones do free-jazz Cecil Taylor, Anthony Braxton ou Archie Shepp dos anos 80.
Inovadores e incontornáveis são também obras com Drums Unlimited, os concertos para duplo quarteto (um quarteto de Jazz e um quarteto de cordas clássico tocando de forma «concorrente»), ou o grupo M’Boom; colectivo de baterias e percussões.
Em 1995, no que foi um dos melhores Jazz em Agosto de sempre, Portugal prestou-lhe o que terá sido talvez a mais exemplar e bonita (e merecida) homenagem da sua vida: ao longo de uma semana passaram pela Gulbenkian alguns dos seus mais caros projectos; o sólido quarteto com Odean Pope, Cecil Bridgewater e Tyrone Brown, o duplo quarteto (o quarteto mais o quarteto de cordas – o Uptown String Quartet - onde também tocou a filha, Maxime Roach), uma recriação do M’Boom com percussionistas e bateristas portugueses e ainda um concerto a solo.
Um dos «concertos da minha vida» foi protagonizado por Max Roach durante 45 minutos, no Auditório 2 da Fundação Gulbenkian para umas parcas dezenas de assistentes, à frente de ... um prato de choque. Genial, absolutamente indescritível! Quem assistiu dificilmente poderá esquecer!
Max Roach estava doente há já alguns anos e a sua morte terá sido provavelmente uma benção. Desapareceu de entre nós com 83 anos, mas deixou uma obra longa e de valor incomensurável. Muitos livros, filhos e árvores como poucos souberam.

 

Discografia seleccionada de/ com Max Roach:

The Best Of Max Roach and Clifford Brown in Concert – GNP (1954)
Brownie Lives – Fresh Sound (1956)
Max Roach Plus Four – EmArcy (1957)
Deeds, Not Words – OJC (1958)
We Insist! Freedom Now Suite – Candid (1960)
Speak, Brother Speak – OJC (1962)
Money Jungle – Blue Note (1962) (Duke Ellington)
Drums Unlimited – Atlantic (1966)
Birth and Rebirth – Soul Note (1978) (c/ Anthony Braxton)
Historic Concerts – Soul Note (1978) (c/ Cecil Taylor)
Collage – Soul Note (1984) (M’Boom)
Easy Winners – Soul Note (1985) (Double Quartet)
To The Max – Enja (1991)