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Maria Schneider Orchestra
The Thomson Fields
CD artistShare 2015

 

Numa época em que uma boa parte dos músicos contemporâneos se afirmam através do dissonante, o ruído, a abstracção ou o aleatório, os adjectivos que me surgem para descrever a música do último disco de Maria Schneider são, em sentido contrário, beleza, rigor, perfeição, poesia, bucólico.
Discípula de Gil Evans e Bob Brookmeyer, com quem trabalhou, Maria Schneider é uma das grandes compositoras para orquestra, orquestradora e band-leader (quer dizer, cujo instrumento é a orquestra) da actualidade, trabalhando com os mesmos materiais clássicos, mesmo se ela é inovadora, por exemplo, nas invulgares combinações tímbricas.

Dir-se-ia uma suite pastoral, The Thompson Fields retoma a música no ponto exacto onde Sky Blue tinha deixado, prosseguindo na procura da beleza, da quietude, do harmónico. The Thomson Fields fala - no tema que dá o nome ao álbum - dos campos de soja da quinta dos Thomson, vizinhos da casa onde Maria Schneider viveu por algum tempo nos tempos de criança; mas também da natureza, da dança de acasalamento das aves do paraíso da Nova Guiné– em «Arbiters of Evolution»-, do bailado das borboletas monarca em volta das «flores de cera»- «The Monarch and the Milkweed»-, acrescentando ainda algum dramatismo e melancolia em três homenagens: «The Potters Song», elegia à amiga e primeiro trompete da orquestra, Laurie Frink, falecida em 2013; «Lembrança», dedicado a Paulo Moura, popular compositor brasileiro desaparecido em 2010, que a levou a conhecer um pouco do mundo das orquestras de samba no Rio de Janeiro; e «Home» estreado no Newport Jazz Festival, onde Maria Schneider estreou a peça, dedicado a George Wein. A poesia revela-se desde logo aos primeiros acordes de «Walking By Flashlight», sobre o poema «November 18» de Ted Kooser e a natureza regressa em «Nimbus» na evocação das tempestades que regularmente se abatem sobre o Minnesota.

Poderosamente visual, a música de Maria Schneider pretende sempre transmitir emoções, transportando os ouvintes para o seu imaginário, as suas recordações e a sua magia. As composições, maturadamente escritas ao longo de dez anos, têm na orquestra a expressão acabada, resultado de um processo laborioso que incluiu transportar metade da orquestra para o cimo do silo da quinta dos Thomson, onde os músicos puderam melhor compreender os objectivos e ideias da compositora para «The Thomson Fields», a projecção de vídeos sobre as aves do paraíso e das borboletas monarca, ou ainda das orquestras de samba para o tema final.

Mas, curiosamente, se a orquestra é o seu instrumento, ela oferece aos instrumentistas, e a alguns solistas em especial, bastante liberdade. Alguns velhos companheiros de décadas, Steve Wilson, Rich Perry ou Donny McCaslin têm espaços privilegiados, e ainda Frank Kimbrough – verdadeira alma gémea, e Gary Versace, a cujo acordeão Maria Schneider atribui muita da responsabilidade no lirismo «pastel» que percorre o disco.
Scott Robinson em clarinete alto, um instrumento pouco ouvido no Jazz, sublinhado pelo piano de Kimbrough e pelo acordeão que se sente, mais do que se ouve, dão o mote para a atmosfera poética do que se segue em «Walking By Flashlight». No tema seguinte - «The Monarch And The Milkweed»- o trombone de Marshall Gilkes e o fliscórnio de Greg Gisbert combinam-se para pintar o bailado das borboletas antes do duelo dos saxofones tenor e barítono de Donny McCaslin e Scott Robinson em competição pelas fêmeas aves do paraíso - «Arbiters Of Evolution».
No mais bucólico dos temas, «The Thomson Fields», o guitarrista Lage Lund e Frank Kimbrough evocam os campos de cereal ondulantes, e o saxofone alto de Steve Wilson é o convocado em Nimbus para desencadear as tempestades do Minnesota.
A melancolia atravessa «Home», com o som arrastado do acordeão e da orquestra em contraponto ao solo do veterano Rich Perry; e de novo a melancolia – com o centro no acordeão de Versace - no belíssimo «A Potter’s Song».
E enfim – em «Lembrança» - o Brasil intromete-se subtilmente na homenagem ao músico Paulo Moura (1932-2010), que um dia levou Maria Schneider a conhecer um pouco das escolas de samba. Os movimentos insinuantes da bateria e das percussões e os fragmentos harmónicos que desafiam a orquestra evocam o Brasil, enquanto os solos de Jay Anderson (baixo) e Ryan Keberle (trombone), também o piano e o acordeão, não esquecem a tristeza do amigo desaparecido.
Belíssimo final.

Como compositora, Maria Schneider compõe directamente no papel, não se socorrendo de outro instrumento que não a própria orquestra, que é o seu instrumento natural. Mas, curiosamente, encontramos na música de Schneider uma simbiose perfeita das partituras com as personalidades e os instrumentos, e nisso ela é a mais ellingtoniana dos compositores. Mais do que o mestre Gil Evans, diríamos. Original, também aqui, na perfeição e na beleza que almeja, no engenho que coloca nas combinações tímbricas que contam com aqueles músicos, e não outros, e nisto a sua música é construída para ser definitiva, e dificilmente poderá ser tocada por outros.
The Thomson Fields é uma das mais belas obras que jamais ouvi, e diria que inevitavelmente marcará o ano de 2015.

Nota: A orquestra de Maria Schneider encerrará o Guimarães Jazz 2015, num dos cinco únicos concertos que dará na Europa, no dia 14 de Novembro.
Absolutamente imperdível.

Nota 2: Os discos de Maria Schneider não podem ser encontrados nas discotecas, apenas podendo ser encomendados via internet. Ou, supostamente, no concerto de Guimarães.
http://www.artistshare.com/v4/projects/experience?artistID=1&projectID=463&langID=1&recordID=&salestypeID=6

 

Steve Wilson (sa, ss, cl, f, fa)
Dave Pietro (sa, ss, cl, f, fa, fb)
Rich Perry (st)
Donny McCaslin (st, cl, f)
Scott Robinson (sb, clb, cla, cl)
Tony Kadleck (t, flis)
Greg Gisbert (t, flis)
Augie Haas (t, flis)
Mike Rodriguez /t, flis)
Keith O'Quinn (trb),
Ryan Keberle (trb)
Marshall Gilkes (trb)
George Flynn (trbb)
Gary Versace (aco)
Lage Lund (g)
Frank Kimbrough (p)
Rogerio Boccato (per, 8)
Clarence Penn (bat)
Jay Anderson (b)