Bernardo Sassetti
Nocturno
CD Clean Feed 2002

Bernardo Sassetti (p)
Carlos Barretto (ctb)
Alexandre Frazão (bat)

Nocturno 1.
Nocturno é um tipo de composição clássica popularizada no século XIX por Frédéric Chopin. Originariamente música para piano, foi posteriormente associado a outro tipo de composições para grupos de câmara. Concebidos para ser tocadas à noite, os nocturnos tinham como característica comum o tempo lento, o dramatismo e o lirismo. A popularidade desta forma chegou aos nossos dias, tendo alguns compositores reformulado o conceito ou introduzido novidades como o uso do silêncio (Debussi, Bartok), enquanto outras peças tidas como mais extemporâneas recuperam o dramatismo taciturno dos nocturnos do século XIX. Uma boa parte da popularidade de Chopin deve-se precisamente aos nocturnos, que continuam a ser tocados e gravados.

Nocturno 2.
Título de Bernardo Sassetti gravado para a editora Clean Feed em 2002. Composto e interpretado para trio de piano (com os incontornáveis Carlos Barretto e Alexandre Frazão), revelou-se o maior sucesso de sempre da editora e do pianista, constituindo uma viragem na música de Sassetti, que assim abandonava (ou suspendia) o período bop-latino, e encetava uma fase que explorava outros universos e onde a música clássica estava incluída.

Nocturno está longe de ser um disco de Jazz mainstream, e dir-se-á que o Jazz apenas se declara claramente em "Monkais" (tema de Sassetti e Alexandre Frazão, referência a Thelonious Monk e Belgais…), mas ainda em "Reflexos", "Olhar", "Quando volta o encanto", temas de Sassetti tocados por uma melancolia invernia que hoje identificamos no Jazz nórdico.

A melancolia atravessa todo o disco, desde logo no primeiro tema, "Time for Love", um clássico de Mandel/ Webster, o único standard convocado, numa interpretação atípica; mas "Sonho dos Outros" e principalmente nas duas versões de "Musica Callada Mov.1" e "Cançon Nº.7", temas do compositor catalão Federico Mompou, o Jazz parece afastar-se decisivamente das intenções de Bernardo Sassetti. Resta "Nocturno", que dá o nome ao disco. Sassetti invoca o espírito dos nocturnos de Chopin no tempo arrastado que as escovas de Frazão e o contrabaixo seco de Barretto acentuam. Os silêncios servem de contraponto às notas longas do piano de Sassetti, lírico e triste, intenso e belo, numa rara e sublime simbiose de Jazz, erudição clássica e poesia.

Nocturno está numa encruzilhada. Não tanto entre o Jazz e a música clássica, mas entre o Jazz e as outras músicas do mundo. Nocturno é significativo da avidez de Sassetti de experimentar, de ir mais longe, da sua inquietação, da sua juventude, mas também do seu virtuosismo.

Gravado na luxuriante Quinta de Belgais de Maria João Pires, foram colocadas à disposição do pianista meios invulgares para o Jazz. O resultado é deslumbrante para os audiófilos: Nocturno é um monumento na música portuguesa do século XXI.