Kris Davis
Aeriol Piano
CD Clean Feed 2011

Kris Davis (p)

Há um número bastante expressivo de pianistas de jazz que vem revelando uma aproximação à música erudita contemporânea, e falamos noutro local da grande pianista Marilyn Crispell. Outros instrumentistas têm revelado interesse por esta área, mas os pianistas estarão em vantagem, creio que até devido à própria natureza de instrumento completo que o piano é.
A canadiana Kris Davis, que tem tido uma ascensão fulgurante na cena nova-iorquina, é um desses casos, e o seu quarteto com Tony Malaby no saxofone, causou forte impressão, não apenas enquanto instrumentista, mas na concepção harmónica do grupo, onde o centro se desloca de forma intrigante e surpreendente. E apesar da sua juventude, ela possui um já apreciável número de colaborações (com Tyshawn Sorey e Ingrid Laubrock no Paradoxial Frog, com Jon Irabagon no RIDD quartet, com John Hébert , com Kermit Driscoll e Bill Frisell, etc., onde a sua marca é visível.
Este novo disco da pianista (por definição a forma onde o artista mais se expõe, a mais arriscada das formas), a solo, permite observá-la numa outra perspectiva, do ponto de vista da técnica e da sua singular concepção pianística, que tem em Crispell e Paul Bley as referências maiores.
Aeriol Piano começa com uma belíssima interpretação do clássico "All The Things You Are", onde parece evocar o Paul Bley dos anos 70, e a ele regressa no último tema, "Work For Water", mas quanto a referências explícitas ficaremos por aqui. O prato de sustância do disco, "Saturn Return" é uma longa peça de dez minutos, onde Davis deambula por formas, que são em grande medida determinadas pela técnica, como numa demonstração, e onde inclui momentos em que toca simultaneamente dentro do piano e no teclado. E apesar de ser verdade que ela controla até com bastante eficácia os efeitos sonoros que retira (o que nem sempre acontece neste tipo de exercícios), nem tudo o que toca faz sentido.
Entre o que é puro exibicionismo (e que eventualmente dois instrumentistas, dois pianistas ou um pianista e um percussionista fariam melhor) e o que é improvisação, a pianista parece perder-se. Noutros momentos, no entanto, "A Good Citizen", "Beam The Eyes", em "A Different Kind of Sleep", onde incorpora magistralmente o silêncio, ou o já referido "All The Things You Are", mais contidos, a pianista revela acerto e inspiração.
Aeriol Piano acusa alguma dispersão de ideias, mas tem ainda assim o mérito de revelar uma das mais singulares pianistas da actualidade.

 

Nota: Texto originariamente publicado em Jazz 6/4 #16.