Ornette Coleman

O «inventor do Free Jazz» regressou a Portugal para dois concertos, depois da apresentação celebratória do ano passado no Jazz em Agosto. Em boa hora o fez: não se poderá esperar inovação num homem de 80 anos, mas a música que ele apresentou na Aula Magna soou verdadeiramente fresca. Será verdade que os interessantes arranjos de Tony Falanga contribuiram para esse efeito de modernidade - as aberturas bachianas ou os contrapontos com arco - mas Ornette soube corresponder, após uma curta hesitação inicial.

Class: 4/5 (****)

19 Novembro 2008


Ornette Coleman é um dos históricos do saxofone ainda em actividade, ao lado de Wayne Shorter, Lee Konitz e Sonny Rollins. A sua importância reside mais nas concepções inovadoras que propriamente no virtuosismo técnico. Ele é um «conceptualista» e nos anos 70, a vanguarda – não só do Jazz - tinha os olhos postos em si. O próprio nome – free-jazz – foi adoptado de um célebre disco de Ornette, registo de estúdio de 1960, em que dois quartetos «concorrentes» improvisavam em simultâneo. Os insuspeitados músicos do duplo quarteto eram nada menos que Ornette, Don Cherry, Scott LaFaro e Billy Higins de um lado e Freddie Hubbard, Eric Dolphy, Charlie Haden e Ed Blackwell do outro, numa improvisação colectiva «sem rede». Embora o projecto tenha sido altamente controverso na altura, a verdade é que a música que Ornette realizaria depois acabaria por ser bastante mais dura. Ouvido hoje, Free Jazz revela-se perfeitamente audível e é um monumento de expressão e força; um manifesto, também ideológico, também político. O concerto de Cascais de 1971 (mais falado devido ao episódio protagonizado por Charlie Haden) foi verdadeiramente alucinante e impenetrável aos meus pobres ouvidos (de jovem de 16 anos), caótico, avassalador!
Ao longo de cinquenta anos a música de Ornette mudou bastante, mas ele permanece a referência máxima do free-jazz. Nos anos 80 ele desenvolveu um novo conceito a que deu o nome de harmolodia, onde harmonia, melodia e ritmo se dissolvem. Estas ideias estão exemplificadas em discos como Dancing In Your Head e Body Meta. As duas guitarras ácidas (Bernie Nix, Charles Ellerbee), que a compunham e os pesados movimentos rítmicos de Ronald Shannon Jackson e Jamaaladeen Tacuma (noutras formações dois baixos, duas baterias e duas guitarras) aproximavam-no da pop como Miles Davis já tinha feito, embora pela área do rock mais funky e ácido.
Com o esbatimento das vanguardas nos anos 80 e o seu desaparecimento posterior, Ornette é cada vez mais um cavaleiro solitário, e embora as suas aparições tendam a ser cada vez mais esporádicas, elas permanecem ainda assim interessantes e influentes. A banda que formou, Prime Time, onde começou a tocar o filho Denardo que ainda hoje o acompanha, teve grande influência no movimento M-Base de Steve Coleman, mas muitas das peças que escreveu são objecto de eleição na área mais erudita do Jazz.
Outra das referências no percurso de Ornette é o álbum que realizou de parceria com Pat Metheny, Song X, que alguma crítica classificou na altura de puro heavy-metal.
Já nos anos 90 funda a sua própria etiqueta, Harmolodic, cujo disco de estreia é Tone Dialing. Para ela grava também, em 1996, dois discos em simultâneo – Hiden Man e Three Women - com um quarteto tradicional num dos poucos registos com piano de Ornette, com Geri Allen, o velho companheiro Charnett Moffett e Denardo.
Dez anos depois e já na casa dos 70, enfim novo registo de regresso às concepções harmolódicas, grava Sound Grammar; não por acaso sem piano e com dois baixos e a bateria eléctrica de Denardo; que lhe valeu o merecido prémio de carreira internacional. A Down Beat reconheceu-o também na votação anual (Critics Poll 2007) elegendo-o em três categorias: Jazz Artist, Jazz Álbum e Alto Saxophone.
Depois de 1971 Ornette Coleman haveria de tocar creio que quatro vezes em Portugal. Assisti na década de 90, no Coliseu dos Recreios a um espectáculo com a Prime Time que envolveu também multimédia e em 2007 encerrou o Jazz em Agosto. A formação que tocará em 5 e 7 de Novembro em Lisboa e no Porto contará com Al MacDowell em baixo eléctrico, Tony Falanga no contrabaixo e o filho, Denardo Coleman na bateria.

3 de Novembro de 2008